Caso de mãe e filha acusadas de extorquir mulher em Barretos (SP) levanta questão do limite entre fé e charlatanismo. Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras diz que crime não está na cobrança, mas na falsa promessa visando vantagem financeira. Criminosos se passam por sacerdotes religiosos para aplicar golpes e extorsões Lucas Zanetti/g1 O caso de mãe e filha suspeitas de extorquir uma moradora de Barretos (SP) sob a promessa de um “trabalho religioso” levantou questão do limite entre fé e charlatanismo. Siga o canal g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp No código penal, estelionato é caracterizado pelo ato de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Já o advogado Leonardo Afonso Pontes explica que o estelionato religioso corresponde ao uso da religião e da fé alheia para cometer tais atos enganosos. Para ajudar a entender melhor como se proteger desse tipo de crime, o g1 conversou com Carol Módolo, presidente da Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras (FNAb), e com dois sacerdotes de Umbanda e Quimbanda. Os principais sinais de alerta mencionados por eles são: Promessas de resolução rápida de situações, como “trazer o amor de volta em x dias” ou cura de uma enfermidade de forma imediata; Exigência de sigilo sob a ameaça de que o trabalho não irá funcionar; Uso de redes sociais sem existir uma casa ou templo religioso de fato; Cobrança de valores exorbitantes e fora da realidade; Pressa, terror psicológico e pressão para realização do trabalho; Tons de ameaça e catástrofe imediata caso o trabalho não seja realizado Mãe e filha foram presas suspeitas de extorsão contra mulher de Barretos que perdeu R$ 100 mil Polícia Civil Pode cobrar por trabalhos religiosos? Carol Módolo explica que o pagamento por trabalhos religiosos pode ser feito e que a FNAb não interfere nesses casos, desde que não envolva questões éticas e morais. Ela explica que pagamento é necessário tanto por elementos materiais que são utilizados em oferendas e procedimentos espirituais, como velas, alguidares, frutas, flores, sementes e artefatos que possuem valor espiritual quanto pelo conhecimento, tempo e energia do sacerdote que é desprendido para realização do trabalho. “Se o dirigente está dentro de um sacerdócio onde é ético e moralmente aceitável, não há problema na cobrança e o tipo de trabalho que ele vai realizar. Isso é particular de cada casa”, explica. Vestidos de azul e branco, fiéis aprotam os últimos detalhes da oferenda Max Haack/Ag. Haack O sacerdote do Templo de Quimbanda Exú Marabô, Tata de N' Nanga Nláijasé, explica que além dos materiais, manutenção do templo e do tempo dedicado ao procedimento, o sacerdote também precisa de um trabalho de limpeza em si mesmo após realização de procedimentos em terceiros. Além disso, ele explica que para a Quimbanda, há uma questão espiritual e ancestral no ato da troca, que se torna também um fundamento religioso. O ato de todos sairem beneficiados por uma ação é importante para manter o axé (energia) dos trabalhos. “Antigamente, nas feiras livres, as trocas eram feitas com moedas e búzios. Hoje, a gente faz uma troca com a divindade. A pessoa vem, solicita o trabalho, o sacerdote passa um valor justo e esse valor é trocado em materiais para a divindade executar o trabalho”, diz. Em outras religiões e casas, especialmente as mais ligadas ao cristianismo e espiritismo, no entanto, o fundamento da caridade se sobrepõe à troca. Algumas realizam trabalhos totalmente gratuitos ou onde o consulente leva apenas os objetos necessários para o procedimento sem custos adicionais. Tata de N' Nanga Nláijasé diz que troca é elemento essencial na quimbanda Arquivo Pessoal Quando a cobrança vira abuso? De acordo com Carol Módolo, a cobrança vira abuso a partir do momento em que são feitas promessas irreais, ameaças, intimidações, pressão com o intuito de enganar a vítima se aproveitando de suas vulnerabilidades. Ela conta que a FNAb recebe denúncias de estelionato religioso diariamente. Diz, ainda, que existe um padrão para este tipo de golpe: trabalho solicitado por redes sociais, utilizando falsas promessas seguidas de ameaça e exposição da vítima. O estelionato ocorre pela tentativa de adquirir vantagens ilícitas, causar danos de forma ardilosa e fraudulenta e induzir a vítima ao erro. A grande maioria desses criminosos, segundo ela, sequer é sacerdote de fato. Prints mostram ameaças de golpistas à vítima em Barretos, SP Arquivo pessoal Sinais de alerta A presidente explica que a promessa de resultados rápidos e milagrosos é o principal sinal de alerta. “Não existe promessa de trazer amor de volta ou dizer que o trabalho é infalível, que a pessoa nunca mais vai ficar doente. A promessa nunca pode existir. É preciso uma conversa séria, justa e clara, transparente”. Outro sinal de alerta, segundo Módolo, é a exigência de sigilo por parte do sacerdote. Dizer que se 'contar para alguém não vai acontecer', é uma forma de tentar controlar a vítima e a impede de pedir orientação. A indicação da FNAb é que, caso a pessoa não tenha dinheiro para pagar por um trabalho, ela procure casas que realizam atendimento e trabalhos gratuitos. “Não estou falando que cobrar é errado, mas se você não tem e precisa de ajuda, por exemplo, você não vai vender o seu carro para fazer um trabalho espiritual. Procure um lugar que te atenda gratuitamente”, instrui. Mulheres presas nesta terça-feira (2) são suspeitas de golpe em vítima de Barretos Como se proteger? O sacerdote do Terreiro de Umbanda Pai Tomé das Almas, Luiz Felipe Silva, orienta que em primeiro lugar as pessoas têm que ter cuidado com o que procuram e onde procuram. “A gente trabalha com cura espiritual, mostrar direcionamento e equilíbrio, mas nunca com ameaça. A função da umbanda é orientar, curar, é a caridade. Mas dependendo do que a pessoa vai buscar na espiritualidade, ela acaba se colocando em situações que vai prejudicar ela mesma ainda mais”, diz. A FNAb e os religiosos ouvidos recomendam as seguintes precauções: Ouvir mais de uma opinião de pais de santo e casas, terreiros e templos diferentes; Conhecer o espaço, saber se existem filhos de santo e buscar recomendações; Desconfiar de promessas e resultados imediatos; Não confiar apenas em perfis de redes sociais; Se atentar ao valor cobrado, ele não pode ser exorbitante; Consultar sempre uma outra opinião. 'A vítima é toda comunidade que já sofre preconceito' Para Módolo, os charlatões e estelionatários da fé contribuem para reforçar estigmas e preconceitos relacionados a religiões de matriz africana. Ela acredita que todas as instituições religiosas têm desafios e problemas, mas quando os casos envolvem Umbanda, Candomblé e Quimbanda, por exemplo, acabam ganhando outras proporções. “As nossas religiões já sofrem com o preconceito e com o estigma de que é errado e proibido ou sujo, o que não é. Nossa religião é pura e verdadeira, se você encontrar de fato uma casa religiosa. Mas sofremos com esses charlatões e estelionatários. A vítima é toda a nossa comunidade que já sofre com o preconceito”, diz. Candomblé e umbanda são exemplos de religiões de matriz africana no Brasil Antônio Rodrigues/SVM Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região
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https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2024/07/07/estelionato-religioso-saiba-como-se-proteger-de-golpes-de-falsos-sacerdotes-e-abusos-envolvendo-a-espiritualidade.ghtml
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